domingo, 29 de novembro de 2009

A Alegoria de Anchieta








Anchieta escrevendo na areia, óleo de Benedito Calixto

Alegoria é uma figura semântica muito utilizada na Literatura. A palavra alegoria, de origem grega (allegoria) significa “dizer o outro”, ou seja, dizer algo que transcenda o sentido literal do texto. Preparando a apresentação de um livro de literatura infantil, tive que pesquisar sobre este recurso linguístico, para interpretar a obra em questão. Ao mexer em meus materiais da época em que cursava Introdução aos Estudos Literários na faculdade, reencontrei um belo poema alegórico de um dos maiores poetas que já pisaram nas terras brasileiras: o Apóstolo do Brasil, B. Padre José de Anchieta.

Sua obra está imersa na devoção católica e não por acaso. Padre jesuíta, nascido em 1534 nas ilhas Canárias, veio para o Brasil em 1553 aos 19 anos, incumbido de auxiliar na catequização dos índios. Para isso, compôs poemas e autos utilizando a língua dos nativos. Padre Anchieta foi o primeiro a codificar uma língua indígena falada no Brasil em sua Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. Entre suas composições mais conhecidas está o poema De Beata Virgine Dei Matre Maria (sobre a Santa Virgem Maria Mãe de Deus), constituído de 4172 versos, escritos originariamente nas areias da praia.

O poema a que me referi no início deste post chama-se “O pelote domingueiro”. Alfredo Bosi apresenta-nos o mesmo em seu livro Dialética da colonização e explica que “a alegoria do poema persegue a ideia da graça divina que Adão recebeu do alto. O pelote, isto é, o belo capote envergado aos domingos, é esse dom de que o primeiro homem foi revestido no Éden, mas perdeu quando deixou que o Anjo do Mal o furtasse. (...) Mais tarde, isto é com a vinda de Jesus Cristo, o novo Adão é ressarcido da sua perda original: só então recobra a honra com o uso do pelote.” Vamos ao poema:

Ele, deram-lho de graça,
porque “Graça” se chamava
e com ele passeava,
mui galante, pela praça.
Mas furtaram-lhe, à ramaça,
ao pobre do moleiro,
o pelote domingueiro.

Os pobretes cachopinhos
ficaram mortos de frio,
quando o pai, com desvario,
deu na lama de focinho.
Cercou todos os caminhos
o ladrão, com seu bicheiro,
e raspou-lhe o domingueiro.

De graça lhe foi tomado,
mas custou muito dinheiro
ao neto, que foi terceiro
para ser desempenhado.
Foi mui caro resgatado
(ditoso de ti, moleiro!)
teu pelote domingueiro.

Referência Bibliográfica

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pág. 74-75.

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