quarta-feira, 23 de junho de 2010

A aparente falência do ensino é uma novidade?

Depois de seis meses sem publicar nada neste blog, retorno a escrever por dois motivos: 1) através dos relatórios semanais de visitação, percebo que o blog está sendo constantemente visitado; 2) em fase de término do curso de pós-graduação, tenho lido muito a respeito do ensino de Língua Portuguesa (especialmente textos que se referem à abordagem das variedades linguísticas) e pretendo compartilhar algumas reflexões novas com os leitores deste blog.

Todos assistimos a uma aparente falência do ensino-aprendizagem da língua materna. Professores e pais ficam angustiados com a numerosa quantidade de alunos que terminam seus estudos regulares como muita dificuldade em ler (compreendendo o texto) e escrever (com clareza). No entanto, esse quadro não é exclusivo da área de Língua Portuguesa e nem de nossa época.

Visitando uma biblioteca pública em Guarulhos encontrei um livro intitulado “A Língua do Brasil” de um linguísta e filólogo da segunda metade do século XX, Gladstone Chaves de Melo. Nunca ouvi falar dele nos meus cinco anos de faculdade. Folheando o livro e lendo alguns trechos, rapidamente fiquei interessado. Ao ler o início do capítulo IX, “A Língua Literária”, vi que esse linguista derruba a tese de que não falamos mais a língua de Camões.  A “língua do Brasil” não é outra senão a Língua Portuguesa. Em breve, provavelmente no próximo post, apresentarei os seus argumentos.

O que eu gostaria de destacar é a atualidade deste livro que foi escrito na década de 40 e editado pelo autor nos anos 70. Em uma passagem, Gladstone fala sobre a decadência da língua literária e lhe dá as causas. Ainda que não concordemos com a suposta decadência da língua literária, vejamos as causas apontadas pelo linguista:
a)    O clima espiritual da época.
b)    A falência do ensino secundário.
c)    Os métodos defeituosos empregados no ensino da língua padrão,
d)    A influência das más leituras.


Detenhamo-nos nas duas primeiras causas e veremos a terrível contemporaneidade das constatações de Gladstone Chaves de Melo (relembrando que o livro foi escrito na década de 40 e editado nos anos 70):

O clima espiritual da época “caracteriza-se pelo horror ao esforço, pelo imediatismo, pela falta de sólida e madura preparação para a vida. A grande arma de vitória é a improvisação, e a grande virtude, a audácia. Uma perigosa filosofia do êxito fácil, conjugada com a filosofia do conforto, insinuou-se profundamente entre a nossa mocidade, alterando a concepção geral da vida, pela subestima dos valores éticos e privativamente humanos. Daí aquele horror ao esforço, a fuga à reflexão, a ausência de formação longa e fecunda. Daí uma atitude de falsa independência, desrespeitadora dos valores éticos e das autoridades naturais ou constituídas. Daí um obscurecimento da noção profunda do dever, entendido como necessidade moral, como fidelidade do homem a si mesmo e, principalmente, a Deus. (MELO, 1975. p. 176)

Para Gladstone, os responsáveis pela falência do ensino secundário são o governo, os diretores de estabelecimentos de ensino, os professores, os pais e os próprios alunos. Vejamos o que ele diz daqueles que estão envolvidos mais diretamente com o ensino:

Os professores: “(...) não é somente a formação intelectual e a especialização que faltam a muitos professores. Falta-lhes ainda a vocação magisterial, o que é fruto daquela improvisação e daquele tomar o magistério como “bico”. É também professor. E daí a ausência de consciência moral: aulas não preparadas, aulas “matadas”, provas e tarefas escolares corrigidos a trouxe-mouxe, aprovação sistemática dos alunos. O menos trabalho possível.” (MELO, 1975, p.180)

“Mas se há essas deficiências por parte de certos elementos do magistério, é força reconhecer que esse professorado também tem sido vítima.”

”Salários baixos, vida cara, não podem os professores só com o ensino ou só com uma disciplina atender às suas responsabilidades econômicas. Daí a multiplicação de atividades, ou sobrecarga de aulas, que impede a execução perfeita da função magisterial.”
(MELO, 1975, p. 181)

Os pais: “(...) têm raro larga culpa no cartório. Querem que os filhos passem. De qualquer maneira. Há uns que exigem “garantia” por parte do estabelecimento. Se os filhos logram más notas ou são reprovados, esses cidadãos se enfurecem contra os professores e às vezes os ameaçam de pancada.”(MELO, 1975, p. 181)

Os alunos: “(...) são vítimas de todo esse estado de coisas, mas também são bastante culpados. O adolescente de hoje não tem, em geral, o mínimo interesse em aprender. Sua preocupação máxima, e quase sempre única, na aula é descobrir e “gozar” o ridículo do professor. Pôr-lhe um apelido azado. Atucanar-lhe a paciência com mil diabruras e insolências, reduzi-lo à condição de policial ou, antes, de domador de feras. Realmente é dificílimo ensinar a uma classe onde a maior parte dos alunos não prestam atenção, olham atrevidos para o mísero professor, vozeiam, molequeiam, distraem os outros poucos que escutariam o mestre”. (MELO, 1975, p.181)

Caros leitores, concluímos que a situação em que se encontra a educação não é novidade. Infelizmente já vem se arrastando há algumas décadas. Por que trazer à tona as palavras de um linguista, educador e filólogo já esquecido se já “evoluímos” tanto nas questões linguísticas e pedagógicas? Respondemos com as palavras do grande Machado de Assis:

“Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.”(MACHADO DE ASSIS, 1979, p. 809)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO DE ASSIS, J.M. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979, v. III
MELO, Gladstone Chaves. A Língua do Brasil (Coleção Estante da Língua Portuguesa). Rio de Janeiro: FGV, 1975.